Colossenses 2:16-23 – Exegese e
Aplicação
de Dennis Downing
Parte I – Introdução e Exegese (Col 2:16-17)
A questão do Cristão participar ou não em certas festas, comemorações e
celebrações como Páscoa, Natal, Ano Novo, Pentecostes, Festas Juninas e outras,
tem causado polêmica ou controvérsia entre discípulos de Jesus. Alguns se
preocupam que, se forem adotadas pela igreja ou se Cristãos nelas participarem,
poderiam levar a sérios danos para a vida da igreja e dos seguidores de Jesus.
Buscaremos saber até que ponto a igreja pode se envolver dentro dos padrões
culturais sem se comprometer espiritualmente. Neste estudo também veremos
algumas diretrizes bíblicas em relação a como tratar assuntos que tem o
potencial de dividir Cristãos, mas, que, por sua natureza não envolvem questões
centrais da fé Cristã.
Na nossa abordagem pretendemos analisar esta questão em duas partes.
Primeiramente, analisaremos como foram tratadas as questões de festas,
celebrações, comemorações, e etc. no NT. Nesta parte tentaremos responder a
dúvidas como:
1. Os primeiros Cristãos comemoraram ou guardaram algumas datas ou festas
específicas?
2. A Bíblia condena claramente datas especiais ou comemorações
dentro da igreja local, ou na vida pessoal do Cristão?
3. A Bíblia nos dá
uma luz ou alguns princípios em relação à comemoração de datas ou celebrações no
calendário da igreja?
4. Como foi tratada a questão de diferença de opinião
ou de questões de consciência quanto a festas, comemorações, etc.?
Na segunda parte vamos tentar aplicar os fundamentos bíblicos à nossa
realidade atual. Tentaremos lançar alguns princípios sobre como podem ser
resolvidos diferenças entre os irmãos em relação à questão de celebrações,
comemorações e datas especiais dentro da igreja e no nível particular entre os
irmãos. Procuraremos responder às seguintes dúvidas:
1. Existe alguma proibição bíblica que impede alguma congregação ou o Cristão
em particular de comemorar ou guardar datas como Páscoa, Natal, Ano Novo, etc.
2. Como deve ser tratada a questão de festas ou comemorações que alguns
gostariam de comemorar e outros não?
3. Como devemos lidar com controvérsias
a respeito de datas especiais na igreja?
4. Qual o tratamento ou
comportamento adequado quando enfrentamos questões de consciência em relação a
datas e comemorações especiais?
Para começar, vamos analisar uma passagem em que a questão de guardar ou não
certas datas foi tratada diretamente.
Colossenses 2:16-23 - Exegese
Contexto Histórico
O apóstolo Paulo, autor da epístola,
provavelmente estava em Roma, entre os anos 60-61 no tempo de seu aprisionamento
(Col 4:10, veja também At 28:30; Fil 1:23).
[1] Embora não conhecendo a igreja lá (Col. 2:1), Paulo
recebeu notícias de Epafras, membro da igreja em Colossos. Epafras possivelmente
foi o Cristão ou um dos Cristãos que começaram a igreja em Colossos (Col. 1:7-9;
4:12).
Certas pessoas estavam ensinando e persuadindo os irmãos em Colossos a se
submeterem a ordenanças na forma de imposições e proibições que não existem no
Evangelho. Estas pessoas não são identificadas pessoalmente. Mas, é provável que
foram líderes, pelo menos mestres e professores.
[2] Podemos concluir isso baseado nas referências sobre
“sabedoria” e “conhecimento” e “raciocínios” (2:3, 4), Estes poderiam ser da
igreja em Colossos ou de outras congregações. É grande a possibilidade de que
eram líderes de Laodicéia, pois Paulo manda que esta carta seja lida na
congregação de lá e que a carta que ele havia enviado para lá seja lida na
igreja em Colossos (Col. 4:16).
Contexto Literário
Quatro das últimas obras de Paulo já
foram agrupadas como “Epístolas da Prisão”, pois os indícios são fortes de que
Paulo já estava preso em Roma, ou pela primeira, ou pela segunda vez. Estas
epístolas são: Efésios, Colossenses, Filipenses e Filemom. As mesmas pessoas são
mencionadas entre as epístolas (Epafras é mencionado em Colossenses e Filemom,
bem como Onésimo é mencionado nas duas epístolas. Timóteo é mencionado em
Filipenses, Colossenses e Filemom.). Há também referências à prisão (Efé 3:1;
4:1; Col 4:10; Filemom 1:1, 9) e cadeias (Efé 6:20; Fil 1:7, 13,14,17; Col 4:3;
4:18; Filemom 1:10,13) em todas as quatro obras. Nesta carta, como em Romanos,
Gálatas e de certa forma Efésios, Paulo está lidando com problemas de legalismo
com fundamento em certas tradições judaicas.
Conteúdo, Ênfase e Introdução
Esta epístola exorta os novos
Cristãos em Colossos a continuarem na verdade de Cristo já recebida. Ao mesmo
tempo, Paulo alerta os Cristãos contra tradições e crenças religiosas que
ameaçam a pureza do Evangelho e a suficiência de Cristo.
A epístola enfatiza a suficiência de Jesus Cristo como filho de Deus e como
nosso Salvador. O argumento de Paulo é que preceitos e tradições humanos não têm
valor para a santificação ou salvação. Paulo mostra como estas formas de falsa
“sabedoria” tentam substituir o papel de Cristo na nossa transformação e
salvação. É importante salientar que tanto imposições como proibições baseadas
em preceitos humanos ameaçam o fundamento da nossa justificação diante de Deus,
que é Jesus Cristo.
No começo da carta, depois das saudações e agradecimento pela fé dos irmãos
em Colossos, e menção das suas orações por eles, Paulo logo começa a falar da
grandeza de Cristo. Ele é O Agente de Deus na criação, Cabeça da Igreja e
Reconciliador de todos por meio da cruz. Paulo fala do seu ministério e sua
preocupação para com os irmãos Colossenses. No segundo capítulo Paulo vai
alternando entre referências à controvérsia em Colossos e à suficiência e a
supremacia de Cristo em tudo. A partir de v. 16 Paulo começa a falar
especificamente sobre a causa dos erros ameaçando a fé dos Colossenses.
Colossenses 2:16-23 (ARA)
16 Ninguém, pois, vos julgue por
causa de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, 17 porque
tudo isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de
Cristo. 18 Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e
culto dos anjos, baseando-se em visões, enfatuado, sem motivo algum, na sua
mente carnal, 19 e não retendo a cabeça, da qual todo o corpo, suprido e bem
vinculado por suas juntas e ligamentos, cresce o crescimento que procede de
Deus. 20 Se morrestes com Cristo para os rudimentos do mundo, por que, como se
vivêsseis no mundo, vos sujeitais a ordenanças: 21 não manuseies isto, não
proves aquilo, não toques aquiloutro, 22 segundo os preceitos e doutrinas dos
homens? Pois que todas estas coisas, com o uso, se destroem. 23 Tais coisas, com
efeito, têm aparência de sabedoria, como culto de si mesmo, e de falsa
humildade, e de rigor ascético; todavia, não têm valor algum contra a
sensualidade.
Colossenses 2:16-17
16 Ninguém, pois, vos julgue por causa
de comida e bebida, ou dia de festa, ou lua nova, ou sábados, 17 porque tudo
isso tem sido sombra das coisas que haviam de vir; porém o corpo é de Cristo.
Evidentemente, havia Cristãos que davam a entender no seu ensino que era
necessário se abster de certas comidas e, ao mesmo tempo, começar a guardar
certos dias, festas ou comemorações. A palavra chave aqui é “julgar” (“ninguém
... vos julgue”). No texto a palavra é krino (
krinw) que significa “achar falta, ou condenar”
[3] (veja Rom 2:1,1: 14:3,10,13; 1 Cor 4:5;
10:29; Tiago 4:11). O problema não foi apenas pensar diferente ou ter uma outra
opinião pessoal. Aparentemente, estas pessoas condenavam os Cristãos em Colossos
que não guardavam estes dias e não se abstinham de alimentos como eles. O que
Paulo não aceitava e chamou os Cristãos a não permitirem foi que eles fossem
“julgados” ou seja condenados, por causa de algo que, em Cristo, não era questão
de salvação.
Ao que tudo indica, a raiz principal do problema em Colossos foi com
tradições e crenças judaicas. Possivelmente haviam outras crenças e “filosofias”
de origem gnóstica ou de religiões pagãs como indicam as referências a visões e
culto dos anjos (v. 18). Sabemos que a questão de se abster de certas comidas
foi um dos pontos de atrito entre judeus e Cristãos (Gal 2:11-14; Veja Atos
10:9-23 a visão de Pedro, e a decisão dos líderes da igreja em Jerusalém AT
15:29). Também as datas citadas têm tudo a ver com as ordenanças da lei de
Moisés.
Depois de falar sobre “comida e bebida” Paulo continua a falar sobre festas e
datas especiais. Várias referências no AT indicam que esta lista se refere às
festas e comemorações judaicas.
1 Crônicas 23:30-31
30 Deviam estar presentes todas as
manhãs para renderem graças ao SENHOR e o louvarem; e da mesma sorte, à tarde;
31 e para cada oferecimento dos holocaustos do SENHOR, nos sábados, nas Festas
da Lua Nova e nas festas fixas, perante o SENHOR, segundo o número determinado;
Oséias 2:11
“Acabarei com a sua alegria: suas festas anuais,
suas luas novas, seus dias de sábado e todas as suas festas fixas.” NVI
(veja
também 2 Cr. 2:4; 8:13; 31:3; Ne 10:33; Eze 45:17)
As pessoas que haviam confundido os Cristãos em Colossos também queriam impor
certos dias e festas como parte obrigatória do calendário da igreja. Segundo o
que podemos entender, para estas pessoas, os Cristãos teriam que seguir com
rigor este novo calendário para serem considerados fiéis e aceitáveis diante de
Deus.
É por isso que Paulo fala tanto na suficiência que temos em Cristo. A
passagem que estamos analisando começa com uma ligação ao que Paulo falou antes
(v. 16 “Ninguém, pois, vos julgue...). Antes de entrar nos pontos específicos da
questão Paulo frisou a suficiência da nossa salvação em Cristo. Ele reafirmou
que não há necessidade para qualquer outro meio de justificação, senão Cristo,
pois em Cristo temos tudo que precisamos.
Col 2:10-13
10 Também, nele, estais aperfeiçoados. Ele é o
cabeça de todo principado e potestade. 11 Nele, também fostes circuncidados, não
por intermédio de mãos, mas no despojamento do corpo da carne, que é a
circuncisão de Cristo, 12 tendo sido sepultados, juntamente com ele, no batismo,
no qual igualmente fostes ressuscitados mediante a fé no poder de Deus que o
ressuscitou dentre os mortos. 13 E a vós outros, que estáveis mortos pelas
vossas transgressões e pela incircuncisão da vossa carne, vos deu vida
juntamente com ele, perdoando todos os nossos delitos;
Paulo frisou também a nossa libertação da lei e conseqüentemente da
necessidade de nos submeter a regras e ordenanças.
Col 2:14
“tendo cancelado o escrito de dívida, que era
contra nós e que constava de ordenanças, o qual nos era prejudicial, removeu-o
inteiramente, encravando-o na cruz;”
Notamos que Paulo não negou que estas coisas tinham sua importância na época
da lei. Mas, ele foi categórico em afirmar que já passamos da época em que as
ordenanças e a lei tinham algum valor em relação à nossa aceitação diante de
Deus. É isso que ele trata quando diz em v. 17
Col 2:17
"porque tudo isso tem sido sombra das coisas que
haviam de vir; porém o corpo é de Cristo."
“Tudo isso” se refere às coisas como “comida e bebida, dia de festa, lua
nova, e sábados” de v. 16. Paulo mostra que, embora estas coisas fizessem parte
da expectativa de Deus para seu povo debaixo da lei, agora vivemos em outra
época e estas coisas não pesam mais sobre nós.
A expressão “coisas que haviam de vir” não se refere a algo ainda no futuro
do ponto de vista de Paulo e os Colossenses e sim dos seguidores de Deus que
viviam debaixo da lei. Senão estas coisas não seriam “sombra” e sim, ainda
realidade. Ou seja, as ordenanças como proibições de certas comidas ou a
exigência de guardar certos dias ou datas pertenciam todos à sombra que era,
sobretudo, da lei e portanto do passado. No AT isto ainda era futuro. Mas,
agora, em Cristo, “as coisas que haviam de vir” já chegaram e os Cristãos em
Cristo já vivem na época da realidade.
Os comentaristas divergem sobre o significado do “corpo de Cristo” aqui, mas,
o sentido mais razoável é da própria Igreja e da presença real de Cristo entre
nós. Paulo usa uma figura bastante comum. Como todo homem observa, há um
contraste entre uma “sombra” e um “corpo”. A “sombra” traça apenas o perfil do
corpo. A realidade é o próprio corpo.
O corpo de Cristo, quer seja na forma da Igreja, ou da presença do Senhor
entre nós é a realidade com a qual devemos nos importar agora. Antes que o
“corpo” viesse havia apenas a “sombra”, ou seja as ordenanças da lei que
apontavam para Cristo. Mas, agora, temos a realidade do próprio Cristo, algo
infinitamente melhor. Portanto, devemos deixar para trás as coisas da “sombra”
ou seja, as ordenanças e proibições, e nos contentar e focalizar na realidade
que é Cristo Jesus.